terça-feira, 19 de outubro de 2021

Vinicius,

Na reta final da minha faculdade, eu passei por um momento muito complicado, no qual eu dependia de uma matéria de física para conseguir me formar.

Eu já havia feito a matéria várias vezes sem conseguir passar, e aquela tinha que ser a última vez. Então, durante algumas semanas antes da prova final, eu começava a estudar de manhã bem cedo, mas antes, eu lia a oração de São Judas Tadeu, santo de devoção meu e da minha mãe, e em seguida, lia o seu poema “Ausência”.

No fim, era tudo oração, a de São Judas e a sua.

Eu passei na matéria, me formei, esqueci completamente o assunto daquela prova (amém!), mas ainda tenho aquelas orações comigo. Decorei o seu poema - minha oração preferida - e vira e mexe saio por aí recitando em voz alta. De tudo, fica o que é mais importante.

E mesmo depois de tantos anos

Ainda me pego pensando naqueles dias

E cresce aqui dentro a certeza de que ontem, hoje, a todo instante e sempre, foi para isso que fomos feitos:

para rezar para os nossos santos

para declamar nossos poetas

para amar o que quisermos e a qualquer momento.

Hoje, você faz aniversário, você que escreveu o poema que eu mais amo, e que me ensinou que a poesia pode ter uma potência de fé, uma potência de vida.

Sua poesia reina por aqui cada vez mais e mais viva - e me mostra todos os dias que, em terra de calculista... quem é poeta, é rei.

Feliz dia!

Com afeto,

Marina.

domingo, 29 de agosto de 2021

Visita


De vez em quando

De repente

Surge na minha cabeça, como um sussurro

O som de um pedaço de poema solto, ressoando de tempos antigos

E eu saio correndo pra lembrar de quem é

Pergunto para o oráculo, ou vasculho meus livros

Um dia foi:

“O resto é a sombra de árvores alheias”

No outro:

“Só te amar é divino, e sentir calma...”

É a poesia chegando de surpresa, para que eu não me esqueça dela

E meu coração se enche de paz

Igual quando eu penso

No conforto dos números pares

Ou na calmaria das formas redondas

 

Então eu fico na janela

E aguardo a próxima visita


domingo, 18 de abril de 2021

Júbilo, memória, noviciado da paixão, por Hilda Hilst

    Quando eu começo a leitura de um livro de poesia, é isso que eu espero: que ele seja avassalador, assim como foi esse livro da Hilda Hilst. 

    “Júbilo, memória, noviciado da paixão” foi o meu primeiro contato com a Hilda, embora o meu flerte com ela venha de anos.

    A sensação que eu tive enquanto eu lia o livro é que eu estava em contato com o meu tipo preferido de poesia. A leitura foi um encontro, uma comunhão entre a Marina e o que ela ama ler. E isso é tão raro, que quando acontece é digno de ser celebrado.

    O livro reúne poemas que constroem uma devoção ao amor, à pessoa amada, ao romantismo, à poesia e à palavra escrita. É uma entrega e um derramamento desnudados e despudorados aos sentimentos. 

    Não é uma poesia morna, como a poesia do Bráulio, ou uma anti-poesia, como a da Ana C.* É a poesia em seu estado sólido, puro, pleno, genuíno, potente. Foi para ler esse livro que eu aprendi a gostar de poesia, antes mesmo de saber disso. 

    E é curiosa a maneira pela qual essas experiências influenciam as nossas experiências futuras. Estou lendo um livro de poesia de outro autor, e não é que seja ruim, mas o fato é que está longe de ter o “padrão devastador Hilda Hilst de qualidade”. Afinal, se não for pra ler uma poesia que me deixe com a cara no chão, eu nem vou**.

    Nesta edição graciosa da Companhia das Letras, a capa é em tons de vermelho e traz um coração estampado. E isso faz todo sentido: a poesia da Hilda constrói o mapa do seu coração, propiciando uma experiência pungente, pulsante, sanguínea, visceral. 

    E agora, o meu coração é um território da Hilda também.


*isso não é uma crítica, é apenas uma comparação de acordo com as minhas preferências. Falei mais sobre o Bráulio aqui, e sobre a Ana C. aqui.

** mentira, vou sim.


  Junho/2020-Abril/2021.










Hilda foi a homenageada na Flip de 2018. Eu não participei da Flip, mas tirei essa foto em Paraty, no fim desse mesmo ano.