Provavelmente a
senhora nunca lerá esta carta, até porque nos vimos pela última vez há uma
década e você nem sequer saberá quem eu sou.
Mas eu quero deixar registrado que aquela sua aula de artes na qual a
senhora levou um quadro do Botticelli, nunca saiu da minha memória.
Quando por acaso
eu vejo O
Nascimento de Vênus, eu revivo aquela
aula como se tivesse sido ontem. Eu amo esse quadro não pela beleza que ele
tem. Mas sim por tudo que ele me remete: às aulas de artes que eram as minhas
preferidas, à sua voz que era um afago, e ao azul dos seus olhos que tinham uma
pureza líquida. E tu tinhas uns cabelos grisalhos que carregavam uma sabedoria
dos séculos...
Tenho tido
notícias de algumas pessoas que dividiram comigo aquela aula. Hoje, somos
crianças crescidas e continuamos felizes, embora eu desconfie que o colorido
dos nossos dias seja um pouco desbotado se comparado ao arco-íris dos lápis de
cor que outrora transbordavam dos nossos estojos.
Sim... As coisas
mudam, é natural. Mas Vênus continuará nascendo para sempre, num eterno
gerúndio. E para mim, Botticelli sempre será sinônimo de Isabel.
Com afeto,
Marina.
(dezembro/2013)
"O Nascimento de Vênus" de Sandro Botticelli. |