segunda-feira, 17 de novembro de 2014

andorinha.s.

Estar sozinho é um estado de espírito.
Em meio àquelas pessoas todas, uma mulher passou por mim. Ela tinha uma andorinha tatuada na perna.
Ela estava sozinha, a andorinha. A mulher estava acompanhada por um homem e carregava no colo um bebê.
Ao sair daquele pequeno mundo, um bando de andorinhas me aguardava lá fora, estridente, colorindo o céu nublado com o seu cantar. 

Andorinha sozinha não faz verão. Ninguém faz. 


domingo, 19 de outubro de 2014

101 anos de Vinicius de Moraes

(MPCP, pág. 15)




  
Vinicius era esse tipo de cara que se apaixonava por um monte de gente, o tempo todo. Eu imagino que o coração dele era congestionado por dezenas de carros, aviões, barcos, navios, submarinos, foguetes... e por semáforos com o sinal verde sempre aceso. 
E eu sempre me pergunto: “Por que eu não gosto tanto do Drummond assim como gosto do Vinicius?”. 
Talvez a resposta tenha sido levada por ele para o mais fundo dos oceanos, ou para uma galáxia muito, muito distante. 
Vinicius é o mais apaixonante meio de transporte. Há 101 anos.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

lá.em.18.agosto.2013



Porque a luz e a treva se querem muito.
E porque a gente sabe que, mesmo assim,
um dia esse inverno será apenas uma
                                                      lembrança
                                                                 líquida
                                                                     se esvaindo
                                                                               por entre
                                                                                       os dedos.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

450 anos de Shakespeare


Há 450 anos nascia Shakespeare. E Romeus, Julietas, Rosalinds, Hamlets, Ofélias, Otelos... E trechos como este:




O trecho é de "Romeu e Julieta", transcrito na peça "Música para cortar os pulsos".

domingo, 6 de abril de 2014

O não-adeus de Capitu.

Ele foi embora sem aviso prévio. Levaram-no.
Nos degraus da escada que nos conduzia ao seu encontro, dispuseram trechos de Pablo Neruda.
A iniciativa foi linda, claro.
Mas, do mesmo modo que o meu Capitu passava despercebido, doando seu olhar para ninguém, a poesia de Neruda também está passando em branca nuvem.
Fizeram dela concreto. Estão pisando nela.

Mas não demora e daqui a pouco TUDO volta ao normal. Em breve tudo será mistério e cinza (de novo).

Março/2014
A frase em itálico é título de um livro de Alberto A. Reis.





quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Tem um Capitu logo ali.

    Sonhei que a biblioteca pegara fogo.
   Acordei assustada, preocupada... mas não com a perda dos livros, e sim com a integridade de um dos habitantes daquelas paredes.
  No mesmo dia, rumei para a biblioteca e ele estava lá, sobrevivente.
   Ele e seu par de olhos de ressaca. Com todos os diamantes do mundo se liquefazendo e desaguando ali.
   Olhos de ressaca e ponto. Sem dissimulação.
   Não tenho dúvida: Machado de Assis anteviu este olhar quando concebeu o lado bom de Capitu.
Janeiro/2014

(clique nas imagens para uma melhor visualização)






Série “Êxodos”, de Sebastião Salgado.
Escola do campo de Natinga para sudaneses deslocados. Sul do Sudão, 1995.  

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Benjamim-Schianberg. Beija-flor-______


Pousado naquele fio elétrico que ligava um poste ao outro, havia um beija-flor-equilibrista de cor azul cintilante.
Eu tive a impressão de que ele queria sugar dos fios a eletricidade.
As flores -pensei- ele não aspirava. Aspirava era ser beija-flor-vaga-lume, e ter para sempre uma luz pirilampeando dentro de si.
Bem que Benjamim Schianberg já dizia que a gente só quer aquilo que não pode ter.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Querida professora Isabel,


Provavelmente a senhora nunca lerá esta carta, até porque nos vimos pela última vez há uma década e você nem sequer saberá quem eu sou.  Mas eu quero deixar registrado que aquela sua aula de artes na qual a senhora levou um quadro do Botticelli, nunca saiu da minha memória. 
Quando por acaso eu vejo O Nascimento de Vênus, eu revivo aquela aula como se tivesse sido ontem. Eu amo esse quadro não pela beleza que ele tem. Mas sim por tudo que ele me remete: às aulas de artes que eram as minhas preferidas, à sua voz que era um afago, e ao azul dos seus olhos que tinham uma pureza líquida. E tu tinhas uns cabelos grisalhos que carregavam uma sabedoria dos séculos...
Tenho tido notícias de algumas pessoas que dividiram comigo aquela aula. Hoje, somos crianças crescidas e continuamos felizes, embora eu desconfie que o colorido dos nossos dias seja um pouco desbotado se comparado ao arco-íris dos lápis de cor que outrora transbordavam dos nossos estojos.
Sim... As coisas mudam, é natural. Mas Vênus continuará nascendo para sempre, num eterno gerúndio. E para mim, Botticelli sempre será sinônimo de Isabel.


Com afeto,
            Marina.
(dezembro/2013)
                                                                                                                                      


"O Nascimento de Vênus" de Sandro Botticelli.