sábado, 15 de outubro de 2016

Professora Isabel,


A senhora acredita que só depois de cinco anos de faculdade eu fui cursar a melhor matéria de todas? Na primeira aula, a professora chegou com um texto da Clarice Lispector – e só isso já faria da matéria a coisa mais linda do mundo. Mas depois ela projetou na lousa ele: O nascimento de Vênus.

O quadro que me reporta àquela sua aula.
De quando eu tinha 10 anos.
E à calmaria da sua voz.
E ao azul dos seus olhos.

Eu fiquei olhando para o quadro, enquanto o passado renascia junto com Vênus.

Foram meses letivos de muita aprendizagem sobre arte e filosofia, e acima de tudo sobre lirismo e sensibilidade.

O mundo se expandiu de um jeito irreversível.

Foi aí que eu notei que grande parte das percepções que tenho hoje se devem às vivências sem pretensão das aulas de artes que tive durante toda a vida. Mesmo que eu não soubesse, a liberdade, a reflexão e a autonomia estavam lá.

E continuam aqui. Assim como Vênus, e as doces lembranças que tenho da senhora.

Feliz dia!

Com afeto,
Marina.


[Este texto é extensão de um outro que escrevi em 2014, um dos mais bonitos de todos. Clique neste link para acessá-lo: Querida professora Isabel, ]

"O Nascimento de Vênus" de Sandro Botticelli.

sábado, 28 de maio de 2016

De volta à Marina Abramović

Há um ano, eu conheci a Marina Abramović. Ontem, nos reencontramos. No cinema. Através de histórias de um Brasil espiritual, que é nosso. Resultado? Metade de mim ficou lá, naquela sala. 
Não sei lidar com o soco na cara que é o trabalho dessa mulher.

Em abril do ano passado, eu conheci a arte imaterial através de uma exposição e do método da Marina Abramović. A experiência me impactou muito, e sinto reflexos dela até hoje (escrevi sobre isso aqui).

Quando eu soube que a Marina lançaria um documentário sobre suas experiências espirituais aqui no Brasil, eu sabia que seria no mínimo, curioso.

E ontem foi o dia de constatar.
Não serei capaz de descrever o que foi aquilo que assisti. Tem coisa que a gente precisa ver pra entender. Pra sentir, pra se impactar.

Quando o filme acabou, eu não pude acreditar. Eu seria capaz de ficar ali o dia inteiro acompanhando aquelas histórias.

Quando saí do cinema, eu sabia que tinha que escrever sobre aquilo de alguma maneira. Mas faltavam palavras. E elas só apareceram quando eu adormeci, em sonho.

No sonho, eu escrevia uma espécie de crítica sobre o filme. Isso porque, ontem - veja só - logo na entrada do cinema, um mural estampava recortes de jornal com críticas dos filmes em cartaz. Em certo recorte sobre o “Espaço além - Marina Abramović e o Brasil”, o crítico dava ao filme uma nota correspondente a 4 estrelas de um total de 5, que se traduzia em “Ótimo”. 
Logo isso, a parte mais insignificante do dia, foi o que fomentou o meu sonho.

Nele, eu escrevia a crítica sobre o filme, mas só lembro do final do texto:

“Merece 5 estrelas?
Merece o céu.”

Quando acordei, pensei: “Merece todas as constelações.”


Críticos, se cuidem ;)


Marina, em uma das cenas do filme


  Espaço Além - Marina Abramović e o Brasil (trailer oficial)


segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Da vez primeira em que me assassinaram, Quintana estava lá



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Eu lembro muito bem dos dias nos quais eu descobri que não havia passado nos vestibulares que eu almejava. Eram dias frios, chuvosos, geava dentro e fora de casa.

Em um desses dias, eu saí do cursinho e rumei para a biblioteca do meu bairro. Passei a tarde lendo poesia e em dado momento me deparei com estes versos de Mario Quintana. O golpe foi certeiro, impiedoso e eu chorei. Peguei uma folha de papel, transcrevi a poesia e guardei comigo. Nunca mais li Quintana.

Cinco anos depois, eu estava na biblioteca da minha faculdade lendo um livro do... Quintana. A leitura estava tranquila, não me remetia a nada de ruim, até que eu cheguei nesta fatídica página. A leitura da primeira linha foi o suficiente para me fazer regressar àquela época. A cada verso lido, eu sentia como se eu estivesse desenterrando uma oração que outrora fora decorada, usada em algum momento lúgubre e depois esquecida. Naquele momento a poesia ressurgiu como um fantasma, e eu chorei de novo... pela aspereza dos versos, das lembranças e da certeza de que sim, quando não dói a ferida, dói a cicatriz.


Pra quem tá de fora como espectador, pode parecer bobagem essa coisa de vestibular, mas não é. Só quem vivencia isso sabe o quão desesperador pode ser essa fase da vida. Isso passa, claro, assim como todo ciclo, embora nos falte essa certeza enquanto passamos por esse período. Porém, as marcas ficam... E como! Tanto as boas como as ruins, encobertas ou não.