sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Para o meu time

O amor dói desde cedo*.

Eu tinha 9 anos quando o São Paulo perdeu aquela Copa do Brasil para o Cruzeiro, em 2000.  Naquela noite, na sala com a minha família, eu chorei com uma tristeza muito genuína e despudorada, dessas que só as crianças têm. Até hoje tenho a imagem do Sorín comemorando e correndo com sua cabeleira enquanto eu chorava. Essa imagem foi um fantasma por anos. 

Neste ano, na noite que antecedeu o primeiro jogo da semifinal contra o Corinthians, eu sonhei alguma coisa que dava a entender que o São Paulo tinha se dado bem de algum modo. Não lembro exatamente o roteiro do sonho, mas lembro de uma frase: "Meu esporte preferido é torcer para o São Paulo".

E eu acordei com essa frase linda na cabeça, e pensei que seria um bom presságio.

Mais tarde, o jogo veio e o São Paulo perdeu. Fiquei puta.

Dentro dos trinta dias que separaram o primeiro jogo do segundo, tive alguns sonhos premonitórios em relação a outros assuntos e pensei: "Ainda dá tempo daquele sonho ser verdade".

O dia do segundo jogo chegou e a vitória foi doce, única.

Estar na final da Copa do Brasil, de novo, enchia a minha cabeça de uma série de possíveis alegrias:

Ganhar um título inédito

Presentear uma torcida apaixonada

Premiar um elenco e um técnico esforçados

Acabar com a chacota dos rivais

E dar um beijinho na Marina de 9 anos.

Eu estava muito iludida.

A final era contra o Flamengo e além de iludida eu estava morrendo de medo.

No dia do primeiro jogo eu só não queria perder de goleada. Qual não foi minha surpresa ao sair do Maracanã com uma vitória?

No segundo jogo, quando o Flamengo fez o primeiro gol eu já joguei a toalha: 

É a cara do São Paulo perder de novo

Time fraco

Se não ganhar hoje não ganha nunca mais.

Mas aí o Nestor empatou. Um herói improvável para um título improvável. 

Não chorei. Mas a felicidade que me habitou foi dessas raras, raríssimas.

O amor dói desde cedo. Mas ele nos dá alegrias desde cedo também.

O futebol, esse ópio do povo, uma das coisas menos importantes que existe, é, entre todas as menos importantes, a mais importante.  

Meu time foi o meu primeiro amor. E é o amor mais gratuito que existe. 

Ele colore minha vida com um caos de problemas** - os problemas que eu gosto de ter.

Ele é aquele fio de euforia que me conduz pelo caminho de uma longa quarta-feira chata até chegar ao jogo no final da noite, quando então eu fico feliz - e durmo assistindo.

Que alegria poder viver três décadas praticando o meu esporte preferido - e enfim poder dizer que somos campeões de tudo.

 

*Do livro "Música para cortar os pulsos".

**Da música "The boy with the arab strap" do Belle and Sebastian.