segunda-feira, 25 de maio de 2020

A teus pés, por Ana Cristina Cesar

Até 2016, eu nunca tinha ouvido falar da Ana Cristina Cesar. E olha que nessa época ler poesia já era um hábito e um amor.
Então, em uma conversa com um professor da faculdade, o assunto descambou para gostos literários. Diante da minha preferência para a poesia do Vinicius, o professor disse que havia poetas muito melhores, como a Ana Cristina Cesar, por exemplo. 
- Mas gente - pensei. - Quem é essa criatura que eu nunca ouvi falar? 
como
alguém 
tem a 
audácia 
de falar assim
do meu
poeta
na minha frente?
Aí fui pesquisar. E por coincidência, naquele mesmo ano, ela era a homenageada na Flip*, a Companhia das Letras estava lançando a sua obra com nova roupagem, e a Unicamp estava cobrando em seu vestibular a leitura de seu livro “A teus pés”. 
- Tá bom - pensei. - Mas não vou ler.
Mas aí, três anos depois, vi uma pessoa no metrô lendo “A teus pés”. Pronto! Não sosseguei enquanto não comprei e li o diacho do livro. 
Antes da leitura, pesquisei pra ver o que me aguardava. Saquei que não seria fácil ou tranquilo. Mesmo assim, estava empolgada para iniciar a leitura.
Me mantive empolgada até a metade do livro, mas depois a empolgação foi rolando ladeira abaixo e a leitura das últimas páginas foi na base do
meu 
jesuis
quequetáacontecenoaqui?
Já li muita coisa estranha nessa vida, mas a estranheza desse livro superou as minhas expectativas.
As páginas misturam poemas e prosa, em textos que se assemelham com a escrita de diários. Essa combinação faria do livro um objeto perfeito para que eu me identificasse lindamente com ele. Mas isso não aconteceu.
O texto é extremamente hermético, intransponível. Fica quase impossível decifrar as palavras. A atmosfera de intimidade e confidencialidade que o texto possui, me deixou na dúvida se ele foi feito mesmo com a intenção de ser publicado. Parece mais com aqueles rascunhos que a gente escreve em folha solta e deixa guardado na gaveta.
Me senti perdida em vários momentos da leitura, porque às vezes parecia que a autora juntava parágrafos de um texto com o de outro texto, e o todo parecia uma coisa disforme. Sem contar as várias frases em outros idiomas, soltas e em tão grande quantidade, que até desisti de tentar traduzi-las.
Em outros momentos, quando o tom era de carta ou mensagem escrita a algum amigo, o texto passava a impressão de que a gente pegou o bonde andando: um relato dela contando algo da metade pra frente, o que impossibilita o leitor de entender o que está acontecendo. 
Como um todo, a leitura não foi agradável, foi atravancada e inquietante não no sentido bom de instigar e fazer querer ler mais, e sim no sentido de causar cansaço. Sorte a minha que tive como leitura obrigatória nos vestibulares a Antologia Poética do Vinicius. Pelo menos nisso fui feliz.
O livro é ruim? Não. Foi uma experiência literária nova e fora da caixa. É muito importante ler coisas que nos incomodam, porque, entre vários outros motivos, a gente aprende a dar valor e a amar ainda mais aquilo pelo qual temos apreço.
Se é melhor que Vinicius? Claro que não. Na verdade eu sempre soube que não seria, mas li só pra ter certeza.


*Flip é a Festa Literária Internacional de Paraty (RJ).






A Ana C. pertenceu à Geração Mimeógrafo, cuja poesia foi denominada poesia marginal. Também pertenceu a este movimento o Leminski, que é uma graça. Falei dele neste post.
O livro “A teus pés”, na edição que eu li, na verdade reúne quatro livros da Ana C.: A teus pés, Cenas de abril, Correspondência completa e Luvas de pelica.


Na minha busca para tentar entender a autora, encontrei dois vídeos imperdíveis. Produzidos por três professoras de língua portuguesa que entendem muito do assunto, os vídeos são uma conversa divertida que começa com a força do desgosto pelo livro, a mesma força que eu senti ao final da leitura. Porém, como elas têm propriedade no que falam, a conversa se desenrola apontando os defeitos e as possíveis qualidades do texto da Ana C., e talvez explique porque ele é do jeito que é. (Gostei mais dos vídeos do que do livro.) São eles:



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